O Relatório Justiça em Números 2016[1] demonstrou que no final do ano de 2015 tramitavam no judiciário brasileiro quase 74 milhões de processos. E, “mesmo tendo baixado 1,2 milhão de processos a mais do que o quantitativo ingressado (índice de atendimento à demanda de 104{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5}), o estoque aumentou em 1,9 milhão de processos (3{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5}) em relação ao ano anterior”.
Diante deste cenário, a mediação tem sido festejada enquanto forma de dar celeridade na solução das demandas em andamento e forma de evitar o ingresso de determinadas demandas no judiciário. Contudo, importante destacar que a mediação não será a panaceia a resolver todos os problemas estruturais que decorrem do modelo de jurisdição centrada no monopólio estatal.
E, para que não haja frustração dos juristas e da própria sociedade com a “promessa” da mediação, é preciso compreender o que é e como funciona este instituto. E mais, é preciso saber que a mediação pode ser privada ou estatal e que a forma de lidar com o conflito em cada uma delas pode ser bastante diversa.
Na verdade, como qualquer instituto jurídico, a mediação possui muitos conceitos e outras tantas teorias a seu respeito. E como não é o objetivo deste artigo esgotar a temática, apresentaremos um conceito da professora Michéle Guilleaume Hofnung (2007, p. 71 Apud AMARAL, 2009, p.91)[2] que traz aspectos interessantes acerca do instituto:
“a mediação se define principalmente como um processo de comunicação ética baseada na responsabilidade e autonomia dos participantes, na qual um terceiro — imparcial, independente, neutro, sem poder decisório ou consultivo, com a única autoridade que lhe foi reconhecida pelos mediados — propicia mediante entrevistas confidenciais o estabelecimento ou restabelecimento de relação social, a prevenção ou a solução da situação em causa”[3].
Nesse sentido, a mediação pode ser vista como um procedimento voluntário, pacífico de resolução de conflitos que é conduzido por um mediador capacitado para atuar de forma imparcial e independente, buscando por meio do diálogo e da investigação de questões (problemas) e motivações alcançar a compreensão do conflito e dos reais interesses das partes envolvidas. E, diante desta compreensão, capacitar os envolvidos para que os mesmos alcancem possíveis soluções que os satisfaçam e os tornem responsáveis por eventual acordo obtido. De forma concisa, a mediação é um meio de gestão do conflito entre as partes envolvidas e com o auxílio do mediador por meio da comunicação e expressão de interesses.
E aqui, é importante destacar o que a mediação não é. A mediação não é aconselhamento já que o mediador é imparcial e não deve aconselhar. Não é terapia, pois não oferece diagnóstico ou tratamento. Não é justiça restaurativa por não estar restrita à seara penal. Por fim e, principalmente, não é conciliação.
A mediação difere-se da conciliação na medida em que trabalha com pessoas e não casos e, mais que isso não tem caráter eminentemente judicial, sendo altamente recomendável para situações em que existe um vínculo relacional mais longo entre as partes. Na conciliação pode haver sugestões por parte do conciliador já que o objetivo é evitar os desgastes de uma demanda judicial. Já na mediação, a solução do conflito deve surgir das próprias partes, do diálogo cooperativo. Por isso, a conciliação, via de regra, é mais célere.
Com relação às diferentes formas de trabalhar com a mediação são consideradas como clássicas três escolas: Modelo Tradicional-Linear de Harvard, o Modelo Transformativo de Bush e Folger e o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb.
Destaque-se que nenhum dos modelos é melhor que o outro. São abordagens diferentes e aplicáveis à diferentes tipos de conflito.
Os legisladores brasileiros apostaram na mediação, mas para que a aposta dê certo é preciso que a mediação não seja encarada apenas enquanto meio de desafogar o judiciário, mas como meio natural e adequado de solucionar conflitos.
E o que se vislumbra com toda a atenção dada ao instituto da mediação na Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, no Novo Código de Processo Civil e na Lei 13.140/15, a Lei da Mediação é a intenção de mudança de paradigma. São os primeiros passos no sentido de mudança de uma perspectiva de cultura do litígio para um ideal de cultura de independência dos cidadãos enquanto pessoas capazes de solucionarem seus conflitos sem a intervenção judiciária e um incentivo à cultura de paz.
É fato que há ainda um longo caminho pela frente sendo necessária a disseminação do conceito, dos modelos e técnicas de mediação, a capacitação de mediadores bem como a conscientização de todos que eventualmente participarão deste movimento, advogados, juízes, promotores, defensores e toda a sociedade.
E, é fundamental reconhecer a importância do papel do advogado nesse movimento para que os mesmos possam se despir da postura combativa natural da profissão e perceber que no procedimento de mediação sua colaboração é essencial. Afinal, por mais que na mediação as partes tenham em suas mãos o poder de decidir acerca da melhor forma de resolver um conflito, é importante que as mesmas estejam devidamente informadas. E é o advogado o primeiro a ter contato com o cliente, sendo seu dever instruí-lo.
Portanto, é função do advogado assessorar seu cliente desde o momento da escolha da forma de resolução conflito aplicável ao caso concreto. Ou seja, cabe ao advogado averiguar se para o caso apresentado a mediação é o procedimento mais adequado. Optando-se pela mediação, caberá ao advogado instruir seu cliente a respeito de como funciona o procedimento, que tem caráter colaborativo e não-adversarial, explicando quais os objetivos da mediação, auxiliando na inserção de cláusulas de mediação em contratos, na escolha do mediador ou eventualmente da câmara de mediação para gestão do procedimento e ainda estabelecendo qual a melhor estratégia de negociação que nada tem a ver com a chamada barganha de propostas.
Desta forma, para que as partes busquem com a mediação resolver seus conflitos economizando tempo, recursos e fortalecendo suas relações, em que pese não haver previsão legal mandatória neste sentido, é imprescindível a atuação do bom advogado que, por meio da análise das circunstâncias e dos interesses do cliente, poderá auxiliar na formulação de propostas mais satisfatórias e juridicamente possíveis, potencializando as chances de êxito.
No que concerne à mediação judicial, imprescindível também que os servidores estejam capacitados para atuarem diretamente com a mediação, mas que mesmo aqueles que não estejam atuando tão diretamente também conheçam o instituto e saibam de seus benefícios para as partes e para a sociedade. Indiscutível também é a necessidade de se capacitar os juízes, desembargadores, defensores e promotores para que, também eles, possam auxiliar na disseminação deste novo paradigma de uma cultura de paz e de cidadãos conscientes e independentes, capazes de solucionar seus conflitos.
E este é o grande desafio do momento. Mediadores, juízes em sentido lato e demais servidores devem estar capacitados e aptos a disseminarem o instituto da mediação de maneira clara e sem distorções que podem ser tão prejudiciais ao importante momento de transição e mudança de paradigma, sendo ainda forçoso que os advogados se conscientizem de sua importância, tornando-se versáteis o suficiente para atuarem em demandas litigiosas e nos procedimentos de mediação.
[2] AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O Direito de Acesso à Justiça e a Mediação. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009.
Por Lívia Milhorato, advogada e Secretária de Procedimentos na Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2017, 7h21
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